segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Sobre dedos e canivetes suíços

Hoje percebi uma coisa: embora meu modesto mp3 player tenha me ajudado a atenuar as agruras do dia-a-dia no último ano, ele me priva de ouvir o que há de mais lúdico e cruel na prática de praguejar a quem quiser ouvir. Ao entrar no vagão do trem e notar várias pessoas se entreolhando e rindo, localizei um senhor de uns 60 anos sentado na ponta de um banco, vestindo camisa, calça dobrada até o joelho e chinelos, lembrando vagamente algum personagem de programas de humor decadentes que envolvam escolinhas, praças ou zorras.

- ... o Bobô fazia muito gol e foi campeão brasileiro com o Bahia, mas sabia que o Barradão ia desabar! Só ELE sabia!! Bem feito, agora o Bobô tá preso! E o Bahia tá jogando no estadio do Vitória, vê se pode!! Igual ao Corinthians, que nem endereço tem. Eu fui até lá em Itaquera outro dia pra procurar e não encontrei nada, só mato!
Alguns possíveis corintianos olham feio para o sujeito.
- Próxima estação: Cidade Jardim...
- ... porque eu cortei o meu dedo pra me aposentar!!! Agora eu me aposento, nem que vá até a OAB! Vou falar com os adévogados! Não vou ficar sem dedo e besta, que nem o presidente.
Gargalhadas.
- Isso aê, tio. Ranca o dedão fora!
- Próxima estação: Berrini...
- Ô seu prefeito, quero luz na minha ruaaa... pra morar com minha mulher, meu filho e meu amigo... - Começa a cantar, usando a melodia de "Respeita Januário", do Luiz Gonzaga. De repente, interrompe e anuncia - Pra quem não sabe, essa música é de minha autoria!
- Próxima estação: Granja Julieta...
Saio do vagão e, enquanto atravesso a passarela, começo a achar que preciso dar mais atenção a estranhos na rua.

Na semana passada eu deixei o mp3 no chão e, como quase sempre a truculência surge em momentos de distração, pisei nele sem querer. Quando ouvi o estalo, pensei que tinha acabado de inutilizar o aparelhinho, mas só trincou o vidro. Pode ser um começo.

E até onde eu saiba, Barradão é o estádio do Vitória. O que desabou foi a arquibancada da Fonte Nova.

2 comentários:

Daniel Boa Nova disse...

Tiozinho de coletivo é cultura.

Anônimo disse...

Que ótimo este texto. Outro dia pensei exatamente a mesma coisa: que eu deveria abaixar o volume dos meus pensamentos pra ouvir melhor os pensamentos de fora.