sexta-feira, 9 de julho de 2010

Barba azul

Blue Beard by bandofhorses

I used to see the night so anxious, but now I know
The only thing it ever taught me was a grand illusion
That comes and goes, the city blanketed of snow.

What if we die, no end and no conclusion.
How could you smile, just walk away.
Well I don't know.
I don't know.

I met you at the railroad station, now years ago.
And something happened on the night I last drank with you in the neon glow.
Now I don't see you anymore.

The Midwestern sky is gray and cold.
The sun never shines, but that's alright.
And I couldn't find the letters that you wrote me.
What did you write? Where'd you go, well I don't know. No.

Take a little time gonna roll the dice
Taken for a ride, any normal life will do, too.
Find another way, try to break the ice
Every day and night, the banana peels were true. True.

domingo, 4 de julho de 2010

Primavera Sound, terceiro dia

Também conhecida como a noite Palco ATP, pelas escolhas que fiz.

Cheguei mais cedo para a última rodada, por volta das 17h30, a tempo de apostar algumas fichas no Psychic Paramount sob um sol punidor no ATP Stage. Não conhecia o trio nova-iorquino, e o imprevisto foi grato: paredes de guitarra e crostas espessas instrumentais ora endurecidas, ora fluidas e abstratas. Bom cartão de visitas. O público, ainda meio escasso, em certo momento teve chance de contemplar uma linha imaginária que partia do desvario organizado do palco e dividia o sol forte do lado direito do céu e as nuvens plúmbicas (gostei dessa palavra!) vindas do mar, à esquerda. Sorte que estas passaram rápido.

Nem precisei sair do palco ATP para presenciar uma das incógnitas do dia: Michael Rother & Friends Presents Neu! Music. Rother, sobrevivente guitarrista e operário do Neu! e do krautrock, poderia ter virado tanto um senhor sequelado e infantiloide quanto um sóbrio sexagenário germânico. Valeu a alternativa B. Todo de preto, cabelo escovinha marcial impecável, ele comandou por uma hora um princípio de transe coletivo forjado licitamente. Pouco informado até então, eu percebi só ali que um dos "friends" presentes era o cabuloso Steve Shelley, do Sonic Youth (cujas experimentações obviamente pagam muito tributo ao Neu!). Foi bem engraçado acompanhá-lo sorridente, visivelmente se divertindo ao tentar sustentar os 15 minutos da retidão metafísica que evoca cada "canção" de Rother e seu ex-parceiro Klaus Dinger. Shelley perdeu o tempo em vários momentos e tentou encaixar suas famosas viradas, o que deu mais graça e curvas à precisão retilínea do planador alemão.



Foi também no ATP que conferi o Sian Alice Group, pop sombrio com fragmentos experimentais à la Bat For Lashes, e descansei sorvendo mais uma San Miguel com a moçadinha jovial. Mais algumas dezenas de minutos, sendo alguns deles presenciando a vergonha alheia causada por um trecho do show das Slits no Pitchfork Stage, e estou de volta ao ATP para ver o Polvo, grandes subestimados do róque índico americano dos anos 90. É mais uma banda que parou no final daquela década e voltou após 10 anos, mas, ao contrário da maioria, sem a menor badalação e com um disco parrudo, In Prism. Os quatro cidadãos da Carolina do Norte podem até ter zero carisma, mas compensam com longas e intensas digressões instrumentais que prestam contas à dissonância desoladora do Slint e ao peso matemático do Helmet. As duas vozes, escassas e até meio dispensáveis, ficam em segundo plano perto das guitarras emaranhadas e do baterista ignorante. Já era noite, e as luzes escuras do palco casaram com precisão. Os presentes, em reverência, ensaiavam até um headbanging. Climático e memorável. A única falha foi ter sido curto demais.



No mesmo ATP rolou mais uma banda aguardada, o Built To Spill. Imagine uma orquestra com baixo, bateria e três guitarristas que rezam toda noite para o véio Neil Young entoando uma longa marcha nupcial, ou, melhor ainda, o acompanhamento para o nado sincronizado de quadrigêmeas, em um púlpito celeste e com lúpulo a vapor sendo borrifado. O Built To Spill estaria bem perto dessa maravilha. O problema é que o líder Doug Martsch, mesmo não sabendo quem é Tim Maia, pensa que é o próprio. A cada intervalo era um tal de "check mic one, check mic two, kick the bass, kick the guitar one..." para testar a paciência. Quando engrenava, porém, era uma beleza ver cada faixa sendo esticada ao máximo. Conclusão: alguns regalos guitarrísticos, mas, no todo, não chegou a levantar voo.

Saí correndo no meio da última música do BTS e uma de minhas favoritas, "Carry The Zero", para abrir caminho e chegar a uma posição decente no palco Ray Ban, onde o ressuscitado Sunny Day Real Estate tocaria a seguir. Era mais uma banda que eu não imaginava um dia conseguir ver e, certamente, entre as mais aguardadas. A sequência inicial, com "Friday", "In Circles" e "Seven", foi uma demonstração categórica de como fazer 1997 voltar do nada ao presente. Impressionante ver como Jeremy Enigk (o cristão bebedor de cerveja), Dan Hoerner (o boa-praça mor), o foo-fighter Nate Mendel (o músico mais foda, rei das escalas 'miojadas' no baixo) e William Goldsmith (o braço pesado) aparentemente não envelheceram nos últimos 10, 12 anos. A banda estava redondaça, pesada e generosa, priorizando seus dois primeiros e melhores discos. Pensei que eu era um dos poucos, mas o que não faltava era marmanjo emocionado, entre amigos e desconhecidos. A banda estava nitidamente empolgada e o próprio Dan Hoerner não parava de rir à toa, dizendo mais de uma vez mal poder acreditar no que via: alguns milhares de vozes cantando absolutamente tudo o que viesse, passando ao SDRE o recibo de relevância (mesmo que dentro daquele batido status 'cult').



Pensei que seria tarefa dura me entreter com o que viesse a seguir, mas lembrei que, no caso, o responsável por isso seria
Mr. Lee 'Scratch' Perry no Pitchfork Stage. Fato é que o ancião jamaicano precisa fazer pouco para ganhar quem está ali. Espécie de versão anti-heroi de James Brown - o cara que mais rala no showbiz -, Perry chega manso após uns 10 minutos de banda tocando, pendura seus (literalmente) trapos e balaios no pedestal do microfone e começa suas louvações a jah debaixo de uma sugestiva luz verde enfumaçada. Ok, ele foi o produtor que praticamente inventou o dub e ali desempenhava uns reggaes bem feijão-com-arroz, mas o carisma quase picareta do velho-noia e a competência da banda embolsaram fácil o público naquele meio de madrugada. Fica difícil exigir mais que isso de um septagenário entusiasta de pedras e cachimbos estranhos, e todos os presentes viram terceiro-mundistas sorridentes que dançam na areia sob a bênção de rastafaráái. Isso até que a próxima atração desvie novamente a atenção dos mal acostumados de plantão, é claro.

Ainda deu tempo de esticar mais um pouco até o Vice Stage - definitivamente o ambiente mais fétido do evento - e ver os californianos do Health promoverem uma implosão da música pop redondinha e palatável. Enquanto o cantante balbuciava no microfone qualquer coisa que parecesse letra a timbres suaves e fantasmagóricos, os outros três se revezavam entre programações, pedais de efeitos, instrumentos percussivos e dancinhas maníacas, quase sem interrupções. Muita textura abstrata e energia, suficientes para animar os semidefuntos daquele horário, mais de 3h30 da matina. Um desfecho de festival, digamos, mais apocalíptico do que integrado.



Tentativa de ranking para os três dias:
1. Wilco
2. Sunny Day Real Estate
3. Broken Social Scene
4. Pavement
5. Monotonix
6. Low
7. Shellac
8. Superchunk
9. Michael Rother & Friends
10. Polvo
11. Lee Perry
12. Built To Spill
13. The Fall
14. Psychic Paramount
15. Health
16. Spoon
17. Pixies
18. Sian Alice Group
19. Yeasayer

Para fechar a tampa, a lista de shows que lamentei ter perdido (por gostar da banda, por relatos de amigos que viram ou por serem potencialmente divertidas): Wire, Liquid Liquid, Tortoise, Mission of Burma, Les Savy Fav, Titus Andronicus, Best Coast, Ui, Charlatans, The Almighty Defenders, Gary Numan, Japandroids, Cold Cave, Fuck Buttons, Scout Niblett, Macaco Bong e El Mató a Un Policía Motorizado. Ah, e fora dessa lista teve também Pet Shop Boys, Orbital, Florence & The Machine, Grizzly Bear, Autoramas...

2011? A ver. :)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Primavera Sound, segundo dia

Sexta-feira, tarde seguinte. Vigésimo oitavo dia de maio, também conhecido como um mês atrás. Baterias recarregadas, mudança de bairro barcelonense - do intenso centro à aconchegante Gràcia - e, com pulseirinhas indie anexadas ao pulso, cruzamos de novo subterraneamente a cidade rumo ao Parc del Fòrum.

A expectativa era abrir o fim de tarde com o show do Low no auditório Rockdelux, mas a fila era desanimadora. Eu estava quase me contentando com o power pop redondinho e correto do New Pornographers, que tocava no San Miguel Stage, quando chega a mensagem: "corre aqui que vai rolar o Low, estamos quase entrando". Talvez o meu momento mais Gerson da viagem. A disputa por cadeiras no auditório tinha motivo justo: o trio de Duluth, Minnesota (mesma cidade do Dylan, no extremo norte americano), tocaria na íntegra o belíssimo álbum The Great Destroyer, de 2005, cujo tema central é morte e envelhecimento. Líder e sósia de Heath Ledger, Alan Sparhawk foi arrebatador tocando guitarra e cantando (fazendo harmonias com a baterista Mimi Parker) no auditório a luzes baixas, mas não trocou uma palavra com o público entre as treze faixas do disco. No momento pareceu pouco simpático, mas os agradecimentos efusivos dele próprio no final nos fizeram concluir que a intenção do silêncio era valorizar a tensão intimista e as letras. Assim como após o show do Monotonix, no dia anterior, fiquei com a sensação de que dificilmente os shows seguintes da noite o superariam, mas por razões opostas: os americanos tangenciam um caos sutil, cheio de silêncios intermitentes e melodias entrecortadas; já a celeuma dos israelenses é empapada de suor e celebração. O bom é não precisar chegar a conclusão nenhuma sobre isso.



Apesar de nublar e passar das 20h30, ainda estava claro quando saí na direção do San Miguel Stage, onde tocava o Spoon. Já os tinha visto no Planeta Terra 2008, aqui em SP, e a performance em terras catalãs foi parecida. Com palco maior e de dia, mas despertando aquela mesma simpatia que só uma banda texana esforçada, com boas faixas, suficientemente comunicativa e com aura de coadjuvante consegue despertar. Bom para apreciar degustando aquela cerveja do dia a dia, com gosto ok, que não dá ressaca mas também não desperta paixões. Foi o que fiz.

Tempo vai, tempo vem e, após uma tentativa frustrada de ver o começo do Beach House num palco menor, me encaminho de volta ao San Miguel para conseguir um lugar privilegiado para meu primeiro show do Wilco. Abrem com "Wilco (The Song)", e lá pelas tantas as duas guitarras somem. Seguem com a monumental "I Am Trying To Break Your Heart", e dessa vez é o baixo e um dos teclados que falham, obrigando os respectivos donos das funções a improvisar umas maracas enquanto os técnicos arrumam o som. É aí que Jeff Tweedy manda a real:



Nada como ter na manga uma das músicas mais bonitas da década para salvar o anticlímax do começo. Ótima sacada! Com o P.A. arrumado, chega a ser covardia. A entrega dos seis no palco me fez rir sozinho três dias depois, dentro do avião, quando eu já abandonava a Espanha dando sequência à viagem e lembrava do prazer de experimentar ao vivo "Shot In The Arm", "Heavy Metal Drummer", "Misunderstood", "Bull Black Nova" e "I'm The Man Who Loves You", entre muitas outras. São faixas que crescem para todos os lados com pequenas entortadas de direção, com o Tweedy dando mais veemência ao cantar, com a simples presença de Nels Cline e Glenn Kotche, dois músicos filhasdaputa de tão geniais. E o que foi o público 'cantando' a longa parte instrumental de "Impossible Germany", como se saudasse a chegada do sol? Ao vivo, o Wilco é tecnicamente tão competente e desenvolto quanto o Radiohead, mas leva vantagem no calor e na empatia, na honestidade e nas imperfeições, que eles conseguem contornar com classe e humor. Um mês após o acontecido, ainda cravo como o melhor show dos três dias.

Saio dali tão desnorteado que mal percebo os vibratos fêmeos de Marc Almond, comandando um rala-coxa em outro palco ali perto. A sequência seria a correção de um lapso histórico: ver finalmente o Shellac após tê-los perdido em São Paulo, em 2008. Era a primeira banda que eu via no ATP Stage, um dos espaços mais legais do Primavera ao lado do Ray Ban Stage. Agora, não faz o menor sentido comentar algo assim se você não vai assistir a algo tão amargo e bilioso quanto Steve Albini, Bob Weston e Todd Trainer juntos em ação: um baixo demente repetindo três notas por 10 minutos como se fosse uma indústria de autopeças; um macaco superdotado surrando a bateria com precisão matemática; uma guitarra abrasiva amarrada na cintura do dono e que soa como um tubo de PVC derretendo numa frigideira; e "Fucking kill him, kill him already, kill him. Fucking kill him. I don't care if it hurts". Em poucos minutos você começa a achar sublime e divina a total falta de crença no ser humano, na simplicidade, no iogurte com granola, na yoga, em Chico Xavier e na vida rural. Shellac é coisinha linda de meu deus. E os organizadores do Primavera, que não são bestas, chamam eles quase sempre. Em determinado momento, Steve Albini pergunta: "Quem aqui viu a gente no ano passado? E em 2008? E há quatro anos??".



E a grande decepção do festival foi mesmo o Pixies. Mesmo devidamente prevenido sobre a atual decrepitude da banda ao vivo, insisti em conferir os cilíndricos Frank Black e Kim Deal desempenhando no piloto automático um set list teoricamente quase perfeito. É nítido o clima azedo entre os quatro e o som imaginário da caixa registradora. Depois de um vasto repertório com caras de cu do Frank Black, conexão zero com o público (que, cheio de boa vontade, tentava se empolgar) e execuções sumárias e sonolentas de "Dig For Fire", "Debaser" e "Velouria", bati em retirada na hora do bis atrás de cafeína. Como disse antes, essas turnês de retorno de bandas dos anos 80 e 90 são picaretagens de dois gumes. No caso do Pixies, o que dizer de uns sujeitos de meia idade que não gravam mais juntos e que, ano após ano desde 2004, se reúnem para tocar versões pau-mole das mesmas músicas? Muita, mas muita boa sorte para quem for vê-los no "nosso" Woodstock de Itu.

Eram mais de 3h00 da manhã e as pernas pediam arrego quando o Yeasayer começou a tocar no Vice Stage. Exemplares da recente leva de bandas indie com gambiarras de world music que tem como maior nome o Vampire Weekend, os nova-iorquinos agradaram muitos descolados presentes, mas me tornaram tão receptivo à suposta "diversidade etno-cultural" quanto o Clint Eastwood em Gran Torino. O horário e o aroma do ambiente, àquela altura lembrando as ladeiras olindenses pós-Carnaval, pediam um show mais consistente e menos afetado. Era hora de tomar o longo caminho de volta até a aprazível Gràcia.


Hipster e pluricultural? Me engana que eu gosto...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Primavera Sound, primeiro dia

Há duas semanas cheguei de uma das melhores viagens da minha vida e vem uma ponta de vergonha por não conseguir respiros para reativar a casa das máquinas aqui e rabiscar algumas linhas. O primeiro recorte já era certo e óbvio desde que sentei por algumas horas em Barajas, Madrid, esperando a última perna dos voos: um dos principais festivais europeus de primavera-verão. Se escrever apenas isso não parece muito, digo que o festival é um acontecimento. Época do ano (final de maio) em que gente de toda a parte começa a descer em direção ao Mediterrâneo, clima em Barcelona já o melhor possível - em todos os sentidos. Mas chegando numa quinta-feira, primeiro dia, ao Parc del Fòrum, instalado estrategicamente na ponta da orla da praia da linda cidade, vejo que o buraco é bem mais embaixo.

E já começa com uma das apresentações mais intensas dos três dias: Monotonix, três israelenses cabeludaços causando confusão no Vice Stage, palco bem perto do mar. O som, um proto-punk-stoner-garageiro, ficava quase em segundo plano. Devem existir umas 236 bandas que soam parecido, mas poucas impelem tanta interação com o público. O kit ultrabásico é montado no chão mesmo, entre as pessoas, e o negócio é tentar chegar perto do epicentro. Mal começa e já é um tal de camisa voando, levadas de bateria quebradas e muita, muita gente dançando e dando risada das macaquices do vocalista, um quarentão que traja só bermuda Adidas e parece um híbrido de GG Allin com Jesus Cristo. Umas cinco "músicas" depois, reparo que o joelho do sujeito está esfolado, com filetes de sangue correndo. Os mais voluntariosos o levantam o tempo todo, usando às vezes o surdo da bateria como base. Mais alguns minutos e o baterista também é carregado pelo alto, sem parar de tocar, com banquinho e tudo (!). Lá pelas tantas, já estão todos cantando em iídiche a pedido do carismático tio barbudo. Impossível não se divertir.
Para dar uma ideia:



Na sequência, corro até o palco San Miguel (o principal do festival) para conferir o velho finório Mark E. Smith e seus atuais estagiários, a.k.a. The Fall. A expectativa é baixa: gosto muito, mas a banda não tem fama de mandar bem ao vivo; aliás, você mal sabe quem toca no Fall sem ser o velho mutley Smith, cinquentão com cara e voz de septagenário. A graça é exatamente aguardar o que reserva o humor inóspito do velho uva-passa no dia, o que eventualmente pode entortar o pós-punk reto tocado. Já ouvi relatos hilários de desfechos dos shows deles, mas desta vez ele simplesmente fecha mais a cara, para de cantar, põe no talo todos os amplificadores enquanto os outros ainda desempenham e abandona o palco. Conclusão: talvez o melhor show ruim do festival.



Pausa para cervejas, banheiro, circuladas, camaradagens, crepes, entressafra de bandas boas. Sem contar o hypado e disputadíssimo The XX, que, à distância, fez a trilha sonora insossa desse meio-tempo. Sem perceber, era hora do meu terceiro show do Superchunk na vida (sendo o anterior há exatamente 10 anos), também no palco San Miguel. O voz-fina Mac e seus amigos, mesmo tendo voltado de uma parada longa, continuam com gás. É hit indie atrás de hit indie, todos tocados com empolgação pela banda e recebidos com deleite pelo público. E tome "Driveway To Driveway", "Like A Fool", "First Part", "Slack Motherfucker", "Hyper Enough" e "Precision Auto" (esta com participação do vocalista-bolota do Les Savy Fav), para a felicidade de saudosistas como eu. Se pudesse, veria todo ano.

Após intervalo curto, é hora de rumar até o Ray Ban Stage, um dos palcos mais confortáveis, com som perfeito e bons campos de visão. A bola da vez acaba sendo o fino do dia: a apresentação do coletivo/cabide-de-emprego canadense Broken Social Scene é ao mesmo tempo etérea e energética, com muita gente no palco aparecendo, sumindo e retornando, se revezando nos instrumentos e nos vocais. O clima é de comunhão. Uma hora, contei 12 pessoas. É difícil não simpatizar com o quase-hippie gente boa Kevin Drew, que finge coordenar a bagunça. Faixas dos dois maravilhosos álbuns mais recentes (sendo o último deste ano, Forgiveness Rock Record) escorrem feito água gelada das Niagara Falls, cheias de guitarras zunindo, pequenos improvisos (no fundo, os caras tocam pra cacete), saludos ao público e melodias bonitas, redondaças. A ausência da Feist, que às vezes participa da banda, nem foi sentida.



Para fechar o dia - pelo menos o meu, já que a festa nunca termina -, a aguardada volta do Pavement. Palco San Miguel insuportavelmente lotado, mas vamo que vamo. Stephen Malkmus, que é temperamental mas não veio a passeio, já manda de cara "Cut Your Hair", ganhando o indie, o druggy, o desavisado, o vendedor de cerveza. A comoção ainda é moderada, embora seja bonito ver tudo aquilo que se espera dos cinco slackers: as ironias, o set list perfeito, Malkmus tocando quase sempre com a correia fora do ombro, o pseudo-baterista e animador de auditório Bob Nastanovitch berrando feito um alucinado. Mesmo que a volta seja caça-níquel, há formas e formas de se fazer isso, e o Pavement está ali nitidamente se divertindo com o momento (voltarei a isso no próximo post). É a redenção daquela displicência deliciosamente calculada, típica da banda. Tudo perfeito, mas quando chega minha favorita, "In The Mouth A Desert", percebo que a viagem está paga assim que entram os primeiros uivos que servem de refrão.



A segunda e a terceira parte chegam logo, logo - antes da próxima boa gig na sua cidade.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sobre o que importa e faz sentido

No presente momento, é basicamente isto:

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Tempos (ainda) não bicudos

Então tudo recomeça pela milionésima vez, mas felizmente ainda devagar nessa época quase morta-viva do ano e da década. Aprecio essa parcimônia de enrolar na cama uns 15 minutos antes de ir de vez para a rua.

Como as novidades ainda são poucas e a previsão é de semanas intensas de labor a partir da próxima, vou direto ao que interessa: tem podcast novo no ar, depois de quase quatro meses parado (também dá para acessá-lo pela barra aqui à direta). Os dias brandos ajudaram, embora eu não saiba qual vai ser a periodicidade, nem se haverá uma. Também não consegui transformar o formato em algo diferente, como era o meu plano. Mas ele cumpre o protocolo com mais uns 40 e tantos minutos de música e as tiradinhas sem graça de sempre. Se ajudar a esquecer um pouco a prostração de quem ainda está a 10 km/h para retomar o fardo do ofício, já valeu ter feito mais esta edição.

Depois de um 2009 raspando o que tinha na lixeira e mandando para reciclagem, quero buscar aquele 2010 joinha pra nós. E reitero: se alguém tiver ideias para a estagnada rearrumação do cafofo, e que de preferência também participe de sua feitura, favor se encaminhar ao guichê 1116.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Quase lá...

Recesso oficialmente iniciado, agora é hora de não justificar mais a preguiça e colocar na roda mais alguns petiscos que também valem a pena serem conferidos. Mais uma vez, sem ordem de importância.

Air - Love 2
Provavelmente o melhor disco deles (dos que ouvi). Quase um Floyd desempoeirado e repaginado.
Arctic Monkeys - Humbug
Enfim lançaram algo não constrangedor. Com Josh Homme dando pitacos, boas ideias vieram.
Bill Callahan - Sometimes I Wish We Were An Eagle
Tão bucólico que dá pra sentir cheiro de capim ouvindo esse disco.
Black Drawing Chalks - Life Is A Big Holiday For Us
Como assimilar Rated R em Goiânia sem soar tabajara. Difícil, mas possível.
Bob Dylan - Together Through Life
Um pouco abaixo do Modern Times, mas com os mesmos honky-tonks safados e/ou nostálgicos.
Brakes - Touchdown
Rock pixieano desleixadão. Melhor do que qualquer coisa que um ex-Pixies faça atualmente.
Built To Spill - There Is No Enemy
Passei a gostar da banda só agora. O caminho do meio entre o punk, o folk-rock e o psicodélico.
Conor Oberst & The Mistic Valley Band - Outer South
Segundo rolê do carinha do Bright Eyes por solos mexicanos. Acho melhor do que BE.
Depeche Mode - Sounds Of The Universe
Dá pra pescar boas pérolas nesse disco nota 6,5 do Depeche.
The Drones - Havilah
O Crazy Horse com sotaque australiano, mais caótico e entupido de guitarras.
Franz Ferdinand - Tonight: Franz Ferdinand
Com algumas experimentações ainda tímidas, deixando a expectativa de pirações maiores pra próxima.
Leonard Cohen - Live In London
Não sou fã de discos ao vivo, mas este do velho budista é literalmente de chorar.
Mars Volta - Octahedron
Menos intrincado que os anteriores. "Teflon" talvez seja a coisa mais Led Zeppelin que fizeram.
Mission of Burma - The Sound The Speed The Light
Mais uma carraspana dos cinquentões, que voltaram em 2004 após 20 anos parados. Mais agressivo e criativo que 90% dos "pós-pós" anos 2000.
Neil Young - Fork In The Road
Talvez o segundo melhor do véio na década, perdendo pro Prairie Wind. Mas rola um cansaço.
Phoenix - Wolfgang Amadeus Phoenix
Ano da França no Brasil com mais um francês na lista. Pop eletrônico ultrapegajoso.
PJ Harvey & John Parish - A Woman A Man Walked By
Segundo encontro dos dois, sempre estranhão. PJ dificilmente erra, e Parish é um puta músico.
Wilco - Wilco (The Album)
Abaixo dos três anteriores - compreensível, pois os três são quase perfeitos -, talvez seja o disco mais pai-de-família deles. Calmaria do bem.

domingo, 20 de dezembro de 2009

E aqui vai a segunda parte...


Danger Mouse & Sparklehorse - Dark Night Of The Soul
Este eu só ouvi aos 45 do segundo tempo. Produtor dos mais requisitados da praça, Danger Mouse passou boa parte de 2009 na maciota. Mas conseguiu fazer bonito colaborando pela segunda vez com Mark Linkous, sujeito que também responde pelo valium com champanhe em forma de música chamado Sparklehorse. O projeto, que também envolve um livro de fotos do David Lynch e passou por imbróglios judiciais com gravadoras antes de sair, junta vários chegados gente-fina como Wayne Coyne, Nina Persson, Iggy Pop, Black Francis, Jason Lytle e Vic Chesnutt (o mais bizarro). Tem também o Julian Casablancas, que não compromete. Todos emprestam voz às canções etéreas de Linkous, que ornam perfeitamente com aquela textura distinta suja-psicodélica do Mouse. Coisa linda. Sente o drama


Flaming Lips - Embryonic
Experimental e admiravelmente incômodo como não era desde o elefante branco Zaireeka, ainda nos anos 90, o Flaming Lips lança um álbum menos convidativo, menos agridoce, menos panda de pelúcia no palco do que seus três anteriores. Boa sacada da tripulação do Wayne Coyne. Nada contra a empatia fácil causada pelas peripécias de Yoshimi, por exemplo, mas antes da passação de mal que foi o filme e a trilha Christmas On Mars, de 2008, a tendência parecia ser traçar rotas mais seguras. Dando sequência à guinada, Embryonic, com sua sonoridade quase krautrock em vários momentos, confunde os mais sensíveis de paladar auditivo (err... sinestesia tem tudo a ver com o disco!). Outra teoria rasteira: como sobrevoar os anos 70 - inclusive pelo formato em vinil, duplo - sem soar revisionista. :) Passa a mão


Grant Hart - Hot Wax
Poucos ouviram e vão ouvir esta pérola aqui. Enquanto o eterno ex-Hüsker Dü Bob Mould lançava mais um solo meia-boca este ano, seu titubeante ex-parceiro/rival de banda quebrou 10 anos "sabáticos" com um belo disquinho: de produção modesta, mas ótimas ideias. Hart é nome cult entre roqueiros underground acima dos 30 - virou até nome de música dos Posies - e, para usar mais um daqueles clichês infalíveis, incorpora um suposto encontro furtivo de Bowie com Brian Wilson tendo os Seeds ou os Sonics como banda de apoio. Em outras palavras: harmonias vocais bem marcadas, órgãos sessentistas e uma cama áspera de guitarras. Try it


Fool's Gold - s/t
Do balaio de bandas recentes que abraçam a África às custas de um malandro intercâmbio social pós-Byrne ou pós-Paul Simon (variantes do nosso pós-tropicalismo caetânico liiindo), o Fool's Gold é das mais convincentes. Formado na Califórnia por dois israelenses e contando com alguns sul-americanos na jogada, o coletivo se distancia das levadinhas simpáticas e esqueléticas do Vampire Weekend - prefere grooves tribais mais preguiçosos, hipnóticos, muitas vezes cantando em hebraico. Alguma influência do Leste Europeu também aparece aqui e ali, mas sem a pegada punk rock do Gogol Bordello. Enfim, pode até ser a típica banda que agrada críticos musicais e curadores de eventos, mas o preconceito vai por água abaixo assim que começa a lânguida "Nadine". Ou durante a instrumental "Night Dancing", em que violões de linhagens balcânicas se enroscam com um naipe de metais afrobeat. Chaparral! Veja qualé


Jarvis Cocker - Further Complications
Se tinha uma banda que não me despertava nada enquanto existiu e teve espaço, foi o Pulp. Com suas letras estilo "tapa com luva de pelica", sempre elogiada por críticos e com séquito considerável, me barrava um pouco por aqueles arranjos afetados, que os fãs chamam de "suntuosos". Mas quando Jarvis lançou em 2006 seu primeiro solo e resolvi ouvir por motivos aleatórios, passei a respeitar. Com a tradicional pinta de professor de linguística e pernas de graveto trajando ternos risca-de-giz, ele não perdeu a mão para escrever mas anfetaminou um tanto o som. Basicamente, trocou alguns referenciais: saem de cena Scott Walker e o pop cameristico e entram Bowie e Iggy Pop fase Lust For Life, sem que isso pareça oportunista ou rançoso. Agora, no segundo solo, a coisa engrenou. Comecei até a simpatizar com algumas coisas do Pulp, como o álbum We Love Life. Só alegria


Cidadão Instigado - Uhuuu!
Para não dizer que não coloquei nada nacional, vai um que representa legal. É o disco mais bem acabado da banda, ao mesmo tempo bastante acessível e psicodélico. Os fraseados tortos da guitarra do Fernando Catatau, na escola do tropicalista Lanny Gordin, estão cada vez melhores. Destaque óbvio pra faixa "Homem Velho", em que ele sonha com o "homem sério" Neil Young dançando reggae na praia de Canoa Quebrada com uma nativa e oferecendo-lhe canções bonitas. Melhor é impossível! Dá uma orelhada


NOMO - Invisible Cities
Mais música negra tocada por branquelos diretamente de Michigan, EUA. Alternando algumas digressões lisérgicas e várias levadas quebradaças de baixo e bateria, mas sempre com a gorda e criativa seção de metais à frente, a banda seria perfeita para acompanhar o black president Fela Kuti caso o nigeriano ainda estivesse neste mundo. Ouvindo repetidas vezes Invisible Cities, dá para imaginar o vozeirão do hômi entrando de solapa quando os fraseados repetitivos já te pegaram de jeito. E com direito a boa versão de "Ma", do Tom Zé. Pensando bem, ficou melhor que a original. Dá uma sacada


Alice In Chains - Black Gives Way To Blue
Pearl Jam - Backspacer

Sem muitas elucubrações aqui. Se você é um cidadão de meia-idade cansado e nostálgico, vai repetir mentalmente "Porque o grúngi nunca há de morrê!" e baixar sem medo esses dois disquinhos, que são melhores do que o cool avant-garde descolado imagina. Se você não se encaixa no grupo acima, pode ouvir os dois sem procurar desculpas. Confere um e depois o outro

E a África do Sul é logo ali!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Ah, as eternas efemérides...

Nada mais saudável e picareta do que salvar mais uma vez este blógue do estado catatônico aplicando aquela famosa listinha dos bons discos do ano. Aliás, como nunca antes eu havia feito isso, me parece ainda mais adequado. Vamo que vamo então, lembrando que não tem ordem de preferência aqui. Só preferi fugir do tradicional top 10 por questões preguiçosamente explicáveis, e o serviço de utilidade pública que ofereci para adquirir grátis todos os discos online foi por água abaixo, com direito a bronca por e-mail do Mr. Blogger (nada que uma fuçada aqui não resolva). Caso as escolhas estejam muito previsíveis ou se algum disco imprescindível ficou de fora, você tem aquelas duas opções de sempre: me xingar nos comentários ou criar a sua própria.



Sonic Youth - The Eternal
Para gente que começou a ouvir indie rock no início dos anos 90 nos Lados B e Rock Reports da vida - dentre os quais me incluo -, Sonic Youth hoje é classic rock tal qual o Jethro Tull para um senhor cabeludo-careca frequentador do Fofinho Rock Bar. Até aí, sem novas. O problema é que na década seguinte a trupe do Thurston roçou a estagnação, longe de soltar discos ruins, mas em vários momentos parecendo estar no piloto automático, deixando transparecer certa falta de viço. The Eternal alivia um pouco a barra com faixas mais inspiradas. Pode não representar uma nova invenção da roda a essa altura do campeonato, mas reforça aquilo que eles de melhor fazem. Melhor disco deles nos anos 2000, fácil.


Them Crooked Vultures - s/t
Confesso que esperava um pouco mais desta empreitada do Josh Homme, John Paul Jones e Dave Grohl (aqui na bateria, função que deveria cumprir full time). É daqueles discos manhosos, para serem tragados aos poucos, talvez feito com essa intenção mesmo. Mas a sagacidade da rapaziada dá as caras em faixas pesadas e grooveadas como "Gunman" e "Scumbag Blues", dentre as melhores do ano. Perde para a maioria dos discos do Queens of The Stone Age, mas só de colocar a repartição pública chamada Foo Fighters na geladeira, o projeto já ganha meu joinha.


Passion Pit - Manners
Quase um guilty pleasure, Manners poderia ser a trilha perfeita caso vivêssemos numa cidade chamada Neu Club, no estado do Milo Garage (péssima essa, né?). O Passion Pit é uma banda nova de Massachusetts, EUA. Faz indie-pop-eletrônico altamente pegajoso que lembra New Order fase Technique em alguns momentos, mas com aquela voz esganiçada e quase afrescalhada que é marca registrada das bandas pós-punk desta década, prima distante do Rapture. Uma coisa hiper "andando de carro ouvindo Oi FM São Paulo antes da balada na Augusta", sabe? Depois de mais essa infame tripudiada, só precisava dizer: a banda é muito divertida. E excelente para ouvir no mp3 player, correndo na esteira! hehe.


Dinosaur Jr. - Farm
J Mascis é tão filhadaputa, mas tão filhadaputa, que conseguiu reunir a melhor formação do Dinosaur Jr. para servir de banda de apoio disfarçada, sem que os outros dois tenham direito a mostrar suas composições ou tocar no mesmo volume que o fanho barrigudo. No máximo são permitidas tarefas mais aburridas, como dar entrevistas. E o pior é que tudo fica perfeito assim, todos estão cientes disso. Farm é o segundo disco da volta, tão destruidor quanto Beyond (2007). Cada faixa é uma espécie de homenagem de Mascis a ele mesmo, com aquele timbre de guitarra parrudo e ignorante (no melhor sentido).


Bruce Springsteen - Working On A Dream
Momento Rocky Balboa: além de ter a música-trilha do subestimado O Lutador, foi o disco que o Rogério Ceni disse ter ouvido enquanto se recuperava de uma lesão grave este ano. Quer melhor aval?? :)
Também é a continuidade da boa fase do Chefia desde The Rising (2002), que ironicamente partiu de um dos mais tenebrosos incidentes históricos recentes (11 de Setembro) para reerguer sua credibilidade discográfica após uma medonha década de 90.


Soulsavers - Broken
Segunda parceria entre os produtores ingleses e o gogó-de-lixa Mark Lanegan, mas o resultado da primeira incursão foi tão animador que decidiram chamar mais gente pra festa. Mike Patton, Richard Hawley (ex-Pulp), Gibby Haynes (Butthole Surfers), Jason Pierce (Spiritualized), uma tal de Red Ghost (entregando bem o cartão de visita), covers de Gene Clark e Will Oldham... tem de tudo ali, sempre com a boa e velha cortina de fumaça.


John Frusciante - The Empyrean
Já que parece certa a saída de Frusciante dos Chili Peppers, aumenta a chance de material bom como este surgir quase todo ano. Se a coisa não degringolar de novo para a rotina dos cachimbinhos sinistros, braços roxos e casas pegando fogo, a decisão foi total bola dentro. Tirando "Dark Light", uma faixa interminável e pretensamente mântrica lá no meio, o disco desce mais macio que um merlot nas horas de melancolia. E a voz do cara está cada vez melhor.


Lemonheads - Varshons
Ainda falando em junkies, Evan Dando volta à baila com um disco só de versões despretensiosas, o que, no caso dele, é uma boa contradição. Embora os covers sempre foram seu coelho na cartola ("Luka" e "Mrs. Robinson", lembra?), Varshons soa deveras descontraído, low profile. Mesmo com participações luxuosas de Liv Tyler e Kate Moss, a sensação passada não é de tentativa de resgatar o trono acolchoado de "Gram Parsons que deu certo" de outrora (tem cover do Parsons no disco, por sinal). Destaque para "Layin' Up With Linda", do mestre GG Allin.

Em breve deve vir uma parte 2. Antes de você sentir cheiro de peru assado...

sábado, 14 de novembro de 2009

Interlúdio

Tive um sonho quase kubrickeano essa semana. Era como se uma espécie de nave espacial voasse durante horas pelo céu da Terra, mas apesar de meu campo de visão ser o de quem está dentro dela, eu observava de um lugar à parte. Um recinto tão escuro e direcionado quanto uma sala de cinema, mas sem poltronas, cheiro de pipoca amanteigada e gente sem educação no celular. De um enorme painel transparente dianteiro dava para ver o que passava lá embaixo, uma mistura de paisagem rural e urbana: pastos, árvores agrupadas, vegetação e rios, mas também prédios, carros e avenidas. Não me lembro de ver pessoas. A embarcação voadora também não tinha nenhum equipamento para controlá-la e se resumia a um salão vazio e amplo, com paredes de aço e chão cheio de círculos de vidro por onde também dava para contemplar o panorama externo.
Para complementar, mais dois detalhes bizarros. Primeiro: apesar de ter certeza de que estava sobrevoando a Terra, a maior parte da paisagem fora da nave, com exceção de alguns detalhes, tinha cores parecidas - marrons, avermelhadas, cor de terra e poeira. Uma espécie de híbrido de Terra com Marte, o que agora me faz lembrar do filme não kubrickeano Vingador do Futuro. Outro ingrediente era uma voz masculina plácida, grave e agradável, que, como um veterano narrador do Discovery Channel, explicava o que se via e acrescentava "dados confidenciais importantes", como o fato de a Terra ser um grão de areia em relação ao universo; a possibilidade de haver vida fora dela ser considerável; e a incapacidade da tecnologia do planeta impedir que esses seres conheçam a Terra e os humanos caso assim queiram. Depois, enquanto uma música eletrônica onírica e marcial surgia e se intensificava, a voz ficava repetindo esse mesmo tipo de informação com a mesma calma e naturalidade didática, mas usando palavras diferentes.
Acordei no susto. Não olhei que horas eram, mas o dia ainda não estava totalmente claro. Horário de verão desnorteia os desavisados. Na verdade, barulhos estranhos - pelo menos para aquela hora - chegavam do hall do andar até os meus ouvidos semiconscientes: passos pesados e rápidos, aparentemente de mais de uma pessoa. Achei que talvez estivessem assaltando o prédio, passando apressadamente por cada andar, e resolvi aceitar um novo convite ao sono e ignorar uma eventual batida na porta. Nem sempre é recomendável subestimar o inconsciente.