sábado, 27 de junho de 2009

Fliperama zen

Digamos que é sempre tentador e intimidante tentar escrever sobre discos favoritos. Imagine então para um arremedo de resenhista de merda como eu o que seria destrinchar Zen Arcade, terceiro e melhor álbum do Hüsker Dü. Pois descobri por acaso que quase tudo o que eu gostaria de falar sobre o disco, não só o mais rico da banda como também um dos mais maduros e importantes do punk e do rock da década de 80, foi feito com galhardia no Trabalho Sujo, do Alexandre Matias. Fugindo dos lugares-comuns de "ópera punk" ou "disco conceitual", os comentários sobre cada faixa me fizeram reouvir o álbum descobrindo vários elementos novos, quase que com aquela perspectiva invejável de quem coloca pelas primeiras vezes os ouvidos numa obra dessa envergadura (bem picareta usar esses clichês de crítico literário para um disco punk, né não?).

O que mais me cativa no disco é o que passa inicialmente despercebido devido à gravação e execução rudimentar, feita por caras pouco carismáticos (ou, sem eufemismos, feios pra caralho) de 20 e poucos anos que até um ano antes expeliam um punk rock tosco e caótico. Em Zen Arcade a história já é outra e as nuances musicais e textuais se desdobram. O monólito começa a ser trabalhado. Nenhuma faixa está lá por acaso ou para encher linguiça, como aparentemente pode-se pensar, e quem procura o álbum por motivos aleatórios como "descobrir as raízes do emo" ou "conhecer uma barulheira punk das antigas" pode perder o que ele tem de melhor. Aliás, desde moleque eu ouvia falar que as letras do Jello Biafra eram feitas para combinar perfeitamente com o clima das músicas dos Dead Kennedys, mas não sabia que Bob Mould e Grant Hart (os dois vocalistas/compositores do Hüsker) tinham a mesma destreza. Assim, dá pra sacar que as faixas mais rápidas e gritadas de Zen Arcade falam sobre a confusão ou ressentimento do 'protagonista', enquanto que as mais melódicas e cadenciadas remetem a passagens reflexivas e existenciais.

Feio e bonito, agressivo e melódico, Zen Arcade é tudo o que o Green Day tenta pateticamente emular em seus últimos dois discos "políticos". Enfim, chega de frases feitas: leia o texto e ouça milhares de vezes o disco.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Miudezas de Liverpool

Eu estava devendo algum comentário sobre John Lennon - A Vida, de Philip Norman, a biografia definitiva do homem so far, leitura arrematada em maio após quase dois meses de deleite. Como as resenhas da maioria dos jornais e sites já destrincharam o que o tijolão traz de mais relevante, quebro esse protocolo e vou direto a um dos meus assuntos periféricos favoritos (me identifico com eles). Um dos grandes favores do livro foi me levar a discos-solo não tão celebrados dos três Beatles mais talentosos. Itens a priori coadjuvantes nas respectivas discografias, mas com potencial incontestável - e nada que fuja da cartilha de um iniciado. Afinal, as descrições objetivas e contextualizadas de Norman sobre cada momento em que Lennon entrou em estúdio fazem o leitor relevar e eventualmente simpatizar até com faixas de Double Fantasy, o meloso e sereno álbum derradeiro.

Walls And Bridges, o quinto de Lennon depois que o sonho acabou, é um belo exemplo de coadjuvante subestimado. Foi lançado em 1974, próximo ao fim da lost weekend de Lennon, período hedonista em que ele tirou férias de Yoko e passou uns tempos na California com uma rapaziada saudável e gente-fina como Keith Moon e Phil Spector em clima de acampamento de escoteiros. É impressionante constatar que o ritmo de festa da época pouco afetou a inspiração de Mr. Winston, que produziu seu terceiro melhor disco (depois de Plastic Ono Band e Imagine, claro). A textura e alguns timbres sugerem a atmosfera decadente típica do meio dos anos 70, com alguns arranjos emulando o suíngue dos sintetizadores de Stevie Wonder, num desbunde pré-disco, mas com a voz rasgada de Lennon descosturando qualquer suposta proximidade com a cafonice. Um destaque óbvio vai para a festeira "Whatever Gets You Through The Night", parceria com o sujeito-homem Elton John. A faixa marcou por ser a última que Lennon executou ao vivo, numa aparição surpresa durante um show do Eltão em Nova York naquele mesmo ano. Tem também a etérea "Number 9 Dream", com seu bizarro refrão "Ah! Böwakawa poussé, poussé" e uma voz feminina do além chamando "John...", como se tentasse acordá-lo do sonho. Poderia ser a Yoko na gravação, mas é May Pang, a assistente pessoal (em todos os sentidos, consentida inclusive pela titular). Por fim, a rancorosa "Steel and Glass" tem um belíssimo arranjo orquestrado e um desempenho vocal acachapante. O Beck deve ter ouvido bastante enquanto fazia o dilacerado Sea Change.

Um rodapé interessante dessa fase do Walrus é o fato de ele ter participado da composição de "Fame", indefectível hit bowieano lançado em 75. Mais uma prova de que a perfeição também se alcança pelas tortuosas vias da pândega.



Outro disco pouco incensado é o Brainwashed, do George, lançado em 2002, um ano após sua morte. Com produção finalizada pelo filho Dhani Harrison e pelo compadre Jeff Lynne (da Electric Light Orchestra, banda subestimada que um dia merecerá texto por aqui), é aquele trabalho menor e outonal, mas bonito pra dedéu. Como de costume, George flerta com elementos étnicos e espirituais e toca bastante ukulele, aquele violãozinho de quatro cordas, mas sempre favorecendo as boas melodias e evitando o pedantismo. Sabendo que tinha pouco tempo de vida, o cara conseguiu criar um momento terno e digno, sem as arestas da pieguice. Confira a faixa-título, um apoteótico róque de tiozinho dos bons (ver post abaixo) com a assinatura de Mr. Lynne nas harmonias vocais.

Já estou encaminhado nas pequenas pérolas da discografia do Macca, como a tosquice do bem Wild Life, mas fica pra uma próxima. E Ringão, meu chapa, talvez você seja o cara mais cool e boa praça do pop, mas o "rival" Dennis Wilson te deixou no chinelo na hora da verdade.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Voltando à programação normal

Já que o post anterior rendeu as mais intrigantes interpretações, melhor desanuviar escrevendo mais um pouco sobre música, hehe.

O Guided By Voices é uma das minhas mais recentes melhores bandas de todos os tempos e pode até ser batida para muitos, mas admito que comecei a gostar de verdade tardiamente. Tinha preconceito com os discos porcamente gravados até a metade dos anos 90, cheios daquele orgulho meio estéril de ser lo-fi e cada um com umas 25 pequenas pérolas da melodia soterradas numa gravação de fundo de quintal. Não conseguia ver o diamante por baixo da fuligem. Muita gente - a maioria proveniente ou com o pé no indie - via o vocalista e dono da banda, Robert Pollard, como um herói. Pra mim era difícil de entender, visto que se trata de um sujeito mais maduro (deve ter mais de 50 hoje) e com a fisionomia de um corretor de imóveis. Também não sacava por que a Trama despejava boa parte da discografia deles por aqui. Mas há uns 5 anos resolvi pegar aleatoriamente um desses discos para ouvir e tive a sorte de escolher justo o ótimo Universal Truths And Cycles (2002), da fase mais, digamos, "adulta" do GBV. Uma canção mais perfeita que a outra, do tipo que acaba no momento certo, sem gorduras, como os bons discos dos anos 60.

Comecei a reparar que o charme dessa banda de Ohio (EUA) é justamente essa beleza desconjuntada e falta total de glamour. Imagine as harmonias vocais e a pegada do Who executadas com algum desleixo, por gente que prefere gastar o tempo livre lendo ou bebendo, e não ensaiando. É róque para tiozinho com sangue quente e sem medo de ser feliz (desculpe o clichê). Aquele que cai de para-quedas numa festa só com gente abaixo de 20 anos e enche a cara sem a menor cerimônia, ou o que fica nervoso ao ligar para a dona que lhe passou o número num flerte no supermercado.

Para vencer rápido o preconceito pelo qual passei, a dica é começar pelos discos com gravação decente, a partir do Mag Earwhig! (1998), quando Mr. Pollard dispensou toda a banda antiga e recrutou o pessoal da garageira Cobra Verde. O seguinte, Do The Collapse (1999), abre com a ótima "Teenage FBI" e é um dos mais bem produzidos, a cargo do leprechaun Ric Ocasek (ex-Cars - lembra da melosa "Drive"?). Mas o campeão aqui em casa, pelo menos por enquanto, é o Isolation Drills (2001). Difícil não simpatizar pelo quarentão cantando "Glad Girls". A letra e a melodia são tão simples que conseguem ser ridículas e geniais ao mesmo tempo. Não estranharia se soubesse da aprovação do velho Macca.

No vídeo abaixo eles ainda por cima tocam na Amoeba Records, provavelmente a melhor loja de discos do mundo (loja de discos? Que negócio anacrônico). Repara no furor do chute no ar desengonçado que ele dá logo no início. =)



Não aguentei e postei mais um:

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O problema é todo seu

Hoje seria o tão esperado dia de atualizar esta porcaria, mas uma nova série de pataquadas e migués alheios na área profissional arrancaram meu humor como se este fosse um tumor maligno. As ideias que eu vinha digerindo à base de laxante para serem modeladas em um produto final limpinho, cheiroso e facilmente consumível se dispersaram, tornando o trabalho ainda mais árduo. Areia no canal retal nunca é demais. Principalmente depois de olharmos para o nosso próprio umbigo encardido por dias e dias e querermos tirar todo esse ranço com resina, esfregando com um maço de estopa embebido em thinner.

A primeira opção, como sempre, é entrar na primeira comporta lateral e falar sobre música, sobre aquele disco Xis que acabou de cair na rede ou aquela banda Schreiffels que passou batida por anos e que de uma hora para outra se tornou um vício digno de cachimbadas em caneta Bic, um terreno fértil para a escapada da realidade de todas as horas. Escapadas já promovidas com maestria nonsense pelo Captain Beefheart, por exemplo: um demente sagaz, rápido e bulbuloso. Mas fico me perguntando mais uma vez - coisa de doente mental que repete a mesma ladainha para a rachadura da parede - quem entra aqui atrás de discos e dicas e novas musiquinhas para acalmar/atiçar o espírito? O que você ganha me elogiando se nem leu o texto inteiro? Aliás, quem entra aqui e por que entra? Além dos três caríssimos de sempre, claro.

O que me levou a repensar em um dos meus recentes elefantes brancos de louça na cristaleira, o podcast. Sim, este que está com link aí ao lado. Se você que lê isto aqui por acaso é um incauto, não me conhece e não se deu ao menor trabalho de rolar a tela para baixo até um minipost em que anuncio a abertura da porta do cafofo; se você até tem certa curiosidade de ouvir sons a que esteja pouco acostumado, mas carece de sugestões; se você é um arrivista que enche o saco até do vô no além atrás de um favorzinho inofensivo e não tem a menor dignidade de retribuir; se você tem algum tempo ocioso no meio do horário de trabalho ou à noite ou de manhã ou quando for, favor clicar no link à direita. É gratuito e não precisa preencher cadastro para ouvir. Basta ter placa de som na sua máquina e (de preferência) fones de ouvido, pois a gravação está a léguas de ser profissa. A questão é que de vez em quando dou uma fuçada nas estatísticas de lá e não chego nunca a uma conclusão. Se a coisa tá rolando legal, se não acrescenta merda alguma, se a qualidade do som é de fundo de quintal, se minha vox sexy est, se tudo soa como redundância e arroubo wannabe. Pessoalmente, me diverte e me dá um certo trabalho, na mesma medida. Ah, e por último, se você escreve, gosta daquilo que fala, evita colocar vírgula entre sujeito e verbo e tá à toa na pequena área, estamos aí. Um link esperto, uma palavra bem colocada, uma cerveja ou um café no momento certo e o mau humor é morto com uma só cajadada na moleira.

Fim provisório da sessão "anybody out there?". O que sei é que tá quente aqui dentro e frio aí fora. Se você leu até aqui esta cartilagem de galinha em forma de texto, o problema é seu.

E para sumir de vez com o tarja preta, aí vai o vídeo daquele famoso show dos Cramps num hospital psiquiátrico americano: