segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Entre Beatles e Franz Ferdinand, o caminho do meio



Dentre os cds lançados este ano, dois que mais me agradaram são obras de tiozinhos britânicos com mais de 25 anos de carreira nas costas. E não estou falando dos Stones nem do Macca de Liverpool. Até respeito, ouvi dizer que lançaram os discos mais regulares de sua produção recente, mas o que me interessa deles já está feito e vai até o começo dos 70's.

Já os que prestaram atenção em Waiting For The Siren's Call, do New Order, e Playing The Angel, do Depeche Mode, certamente sairam ganhando. As duas bandas apresentam vários pontos de intersecção. Surgiram no pós-punk/new wave em 1980, se tornaram nomes fundamentais no híbrido de rock/pop com música eletrônica e foram da extravagância ao perreio dos excessos - dois deles valem ser lembrados: a gravação de Technique (89), do New Order, foi na hedonista ilha de Ibiza. Praticamente faliu a Factory, gravadora deles na época. Precisa dizer algo mais? Sim, precisa: as tentativas de suicídio de Dave Gahan, vocalista do Depeche, à base de champanhe francês e vidros e vidros de calmantes. Como se fosse pouco, os responsáveis por "Blue Monday" e "Strangelove" deram alguns passos em falso nos anos 90 com discos intercalados por grandes hiatos, idas e vindas de rehabs, saídas de integrantes e, principalmente, o flerte com a repetição e com a menor relevância no cenário pop.

O curioso de ambas as trajetórias recentes é o fato de que mesmo com tanta dispersão de egos e esparsa produtividade, nenhum deles declarou o encerramento das atividades. Mesmo com projetos paralelos, como os descartáveis Monaco e Electronic, o inexpressivo The Other Two (esses três com membros do N.O.); ou o próprio mediano álbum solo de Dave Gahan (a exceção é o derivativo Recoil, do talentoso ex-Depeche Alan Wilder). Se observarmos essas atividades no contexto atual, em que as bandas prestam contas lançando dois belos discos, fica fácil supor que quase tudo não passou de entretenimento sabático orbitando as atividades principais. Como se fosse sempre sabido o inevitável retorno em alguma hora, apesar das inúmeras ressacas físicas e morais. Ou como dizia Bernard Summer do New Order numa entrevista em 2001, época de retomada da banda: "Começamos a sentir saudades uns dos outros, mas levou 8 ANOS pra isso acontecer".

O ano de 2001, portanto, também representou algo em comum: as duas bandas, reduzidas a trios, arrumam a casa e lançam discos que receberam pouca atenção (Exciter do D.M. e Get Ready do N.O.). Já as apresentações continuavam cheias, porém menos burocráticas do que a de contemporâneos como um U2, por exemplo. Fiquei observando com certa distância. Até comprei o Get Ready, com um punhado de canções bacanas, participação do Billy Corgan e o escambau, mas que convence apenas se for colocado à parte do que a banda fez de melhor e apenas junto dos projetos paralelos e do fraco antecessor, Republic.

Eu arrisco dizer que as duas bandas são provavelmente as únicas que gosto desde o momento em que comecei a me interessar por música até hoje. Quando eu tinha cerca de 9 anos, o tecnopop (por falta de nome melhor, vai esse) era bem popular no Brasil. Durante a tarde, depois da escola, eu passava horas com o dedo no REC e o K7 no ponto esperando que tocasse na rádio algo parecido com Information Society, A-ha ou Technotronic para depois deixar rolar naquele walkman style paralelepípedo e, quem sabe, fazer bonito nas festinhas da classe. Isso, claro, antes do rock voltar com mais força ao público maior, pouco antes do Rock In Rio II, de Seattle, etc. Conheço muita gente de idade próxima à minha com uma historinha bem parecida, por isso melhor economizar na nostalgia e simplesmente resumir assim: foi nessa 'entressafra subjetiva' que descobri a Moda Passageira e a Nova Ordem.

Aliás, engraçado interpretá-los pelos nomes. Sugerem o efêmero, o presente, ainda que suas músicas sejam sustentadas paradoxalmente pela manutenção daquilo que há de mais descartável no pop somada a características que tornam as duas bandas ainda modernas. Talvez mais que um Killers ou um Franz Ferdinand a meu ver. A manipulação eletrônica, que os torna reféns da tecnologia e, por consequência, sempre se arriscando a soarem desmedidamente datados ou renovados.

O New Order intensificou cada um de seus ingredientes em seu novo disco. Mais guitarras, bases eletrônicas mais gordas, melodias mais definidas, o baixo do Peter Hook como sempre em destaque. Dá pra sacar que aproveitam bem os recursos que têm hoje, mesmo mantendo vários aspectos que já apareciam desde os 80's, década a qual geralmente são relacionados. Ou seja, esse Waiting... ao tornar a banda mais compactada, consegue simultaneamente fazer o New Order em 2005 parecer datado e atemporal, ousado e consciente de que está envelhecendo. A única gordura que poderia ser cortada é a faixa "I Told You So", lá no meio, com uma brincadeirinha boba de iniciantes no teclado.

Já o Depeche segue a linha mais sombria, pesada e interessante que iniciou a partir de Black Celebration (86). Assim como o New Order, eles foram sempre se atualizando tecnologicamente, usaram mais guitarras às vezes, flertaram com o trip hop e com o industrial (subgêneros altamente ligados aos anos 90, que de certa forma o D.M. também influenciou). Ao mesmo tempo mantiveram características próprias como as texturas de teclados e programações, além dos vocais dramáticos de Gahan sempre exorcizando alguma bad trip, celebrando e/ou lamuriando-se por não ser santo. Um parêntese: o principal compositor sempre foi o guitarrista/tecladista/eventual vocalista Martin Gore, mas era o frontman Gahan quem melhor interpretava essa tríade sexo-religião-drogas musicalmente e existencialmente. Na verdade, o charme da banda sempre foi esse. Como se o ciclo interminável entre o excesso, o baque no fundo do poço, o silêncio pós-vertigem e a redenção se intercalasse entre as batidas mais pesadas e dançantes, as faixas mais soturnas e as mais leves e introspectivas. Playing The Angel traz cada um desses momentos se alternando mais uma vez, como em "Suffer Well", fazendo a melancolia e o vazio parecerem atraentes como o prazer do perigo.

Quem dera me tornar um tiozinho de fôlego como estes!