segunda-feira, 21 de junho de 2010

Primavera Sound, primeiro dia

Há duas semanas cheguei de uma das melhores viagens da minha vida e vem uma ponta de vergonha por não conseguir respiros para reativar a casa das máquinas aqui e rabiscar algumas linhas. O primeiro recorte já era certo e óbvio desde que sentei por algumas horas em Barajas, Madrid, esperando a última perna dos voos: um dos principais festivais europeus de primavera-verão. Se escrever apenas isso não parece muito, digo que o festival é um acontecimento. Época do ano (final de maio) em que gente de toda a parte começa a descer em direção ao Mediterrâneo, clima em Barcelona já o melhor possível - em todos os sentidos. Mas chegando numa quinta-feira, primeiro dia, ao Parc del Fòrum, instalado estrategicamente na ponta da orla da praia da linda cidade, vejo que o buraco é bem mais embaixo.

E já começa com uma das apresentações mais intensas dos três dias: Monotonix, três israelenses cabeludaços causando confusão no Vice Stage, palco bem perto do mar. O som, um proto-punk-stoner-garageiro, ficava quase em segundo plano. Devem existir umas 236 bandas que soam parecido, mas poucas impelem tanta interação com o público. O kit ultrabásico é montado no chão mesmo, entre as pessoas, e o negócio é tentar chegar perto do epicentro. Mal começa e já é um tal de camisa voando, levadas de bateria quebradas e muita, muita gente dançando e dando risada das macaquices do vocalista, um quarentão que traja só bermuda Adidas e parece um híbrido de GG Allin com Jesus Cristo. Umas cinco "músicas" depois, reparo que o joelho do sujeito está esfolado, com filetes de sangue correndo. Os mais voluntariosos o levantam o tempo todo, usando às vezes o surdo da bateria como base. Mais alguns minutos e o baterista também é carregado pelo alto, sem parar de tocar, com banquinho e tudo (!). Lá pelas tantas, já estão todos cantando em iídiche a pedido do carismático tio barbudo. Impossível não se divertir.
Para dar uma ideia:



Na sequência, corro até o palco San Miguel (o principal do festival) para conferir o velho finório Mark E. Smith e seus atuais estagiários, a.k.a. The Fall. A expectativa é baixa: gosto muito, mas a banda não tem fama de mandar bem ao vivo; aliás, você mal sabe quem toca no Fall sem ser o velho mutley Smith, cinquentão com cara e voz de septagenário. A graça é exatamente aguardar o que reserva o humor inóspito do velho uva-passa no dia, o que eventualmente pode entortar o pós-punk reto tocado. Já ouvi relatos hilários de desfechos dos shows deles, mas desta vez ele simplesmente fecha mais a cara, para de cantar, põe no talo todos os amplificadores enquanto os outros ainda desempenham e abandona o palco. Conclusão: talvez o melhor show ruim do festival.



Pausa para cervejas, banheiro, circuladas, camaradagens, crepes, entressafra de bandas boas. Sem contar o hypado e disputadíssimo The XX, que, à distância, fez a trilha sonora insossa desse meio-tempo. Sem perceber, era hora do meu terceiro show do Superchunk na vida (sendo o anterior há exatamente 10 anos), também no palco San Miguel. O voz-fina Mac e seus amigos, mesmo tendo voltado de uma parada longa, continuam com gás. É hit indie atrás de hit indie, todos tocados com empolgação pela banda e recebidos com deleite pelo público. E tome "Driveway To Driveway", "Like A Fool", "First Part", "Slack Motherfucker", "Hyper Enough" e "Precision Auto" (esta com participação do vocalista-bolota do Les Savy Fav), para a felicidade de saudosistas como eu. Se pudesse, veria todo ano.

Após intervalo curto, é hora de rumar até o Ray Ban Stage, um dos palcos mais confortáveis, com som perfeito e bons campos de visão. A bola da vez acaba sendo o fino do dia: a apresentação do coletivo/cabide-de-emprego canadense Broken Social Scene é ao mesmo tempo etérea e energética, com muita gente no palco aparecendo, sumindo e retornando, se revezando nos instrumentos e nos vocais. O clima é de comunhão. Uma hora, contei 12 pessoas. É difícil não simpatizar com o quase-hippie gente boa Kevin Drew, que finge coordenar a bagunça. Faixas dos dois maravilhosos álbuns mais recentes (sendo o último deste ano, Forgiveness Rock Record) escorrem feito água gelada das Niagara Falls, cheias de guitarras zunindo, pequenos improvisos (no fundo, os caras tocam pra cacete), saludos ao público e melodias bonitas, redondaças. A ausência da Feist, que às vezes participa da banda, nem foi sentida.



Para fechar o dia - pelo menos o meu, já que a festa nunca termina -, a aguardada volta do Pavement. Palco San Miguel insuportavelmente lotado, mas vamo que vamo. Stephen Malkmus, que é temperamental mas não veio a passeio, já manda de cara "Cut Your Hair", ganhando o indie, o druggy, o desavisado, o vendedor de cerveza. A comoção ainda é moderada, embora seja bonito ver tudo aquilo que se espera dos cinco slackers: as ironias, o set list perfeito, Malkmus tocando quase sempre com a correia fora do ombro, o pseudo-baterista e animador de auditório Bob Nastanovitch berrando feito um alucinado. Mesmo que a volta seja caça-níquel, há formas e formas de se fazer isso, e o Pavement está ali nitidamente se divertindo com o momento (voltarei a isso no próximo post). É a redenção daquela displicência deliciosamente calculada, típica da banda. Tudo perfeito, mas quando chega minha favorita, "In The Mouth A Desert", percebo que a viagem está paga assim que entram os primeiros uivos que servem de refrão.



A segunda e a terceira parte chegam logo, logo - antes da próxima boa gig na sua cidade.

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