
Eu estava devendo algum comentário sobre
John Lennon - A Vida, de Philip Norman, a biografia definitiva do homem
so far, leitura arrematada em maio após quase dois meses de deleite. Como as resenhas da maioria dos jornais e sites já destrincharam o que o tijolão traz de mais relevante, quebro esse protocolo e vou direto a um dos meus assuntos periféricos favoritos (me identifico com eles). Um dos grandes favores do livro foi me levar a discos-solo não tão celebrados dos três
Beatles mais talentosos. Itens a priori coadjuvantes nas respectivas discografias, mas com potencial incontestável - e nada que fuja da cartilha de um iniciado. Afinal, as descrições objetivas e contextualizadas de Norman sobre cada momento em que Lennon entrou em estúdio fazem o leitor relevar e eventualmente simpatizar até com faixas de
Double Fantasy, o meloso e sereno álbum derradeiro.
Walls And Bridges, o quinto de Lennon depois que o sonho acabou, é um belo exemplo de coadjuvante subestimado. Foi lançado em 1974, próximo ao fim da
lost weekend de Lennon, período hedonista em que ele tirou férias de
Yoko e passou uns tempos na California com uma rapaziada saudável e gente-fina como
Keith Moon e
Phil Spector em clima de acampamento de escoteiros. É impressionante constatar que o ritmo de festa da época pouco afetou a inspiração de Mr. Winston, que produziu seu terceiro melhor disco (depois de
Plastic Ono Band e
Imagine, claro). A textura e alguns timbres sugerem a atmosfera decadente típica do meio dos anos 70, com alguns arranjos emulando o suíngue dos sintetizadores de
Stevie Wonder, num desbunde pré-disco, mas com a voz rasgada de Lennon descosturando qualquer suposta proximidade com a cafonice. Um destaque óbvio vai para a festeira "Whatever Gets You Through The Night", parceria com o sujeito-homem
Elton John. A faixa marcou por ser a última que Lennon executou ao vivo, numa aparição surpresa durante um show do Eltão em Nova York naquele mesmo ano. Tem também a etérea "Number 9 Dream", com seu bizarro refrão "
Ah! Böwakawa poussé, poussé" e uma voz feminina do além chamando "John...", como se tentasse acordá-lo do sonho. Poderia ser a Yoko na gravação, mas é
May Pang, a assistente pessoal (em todos os sentidos, consentida inclusive pela titular). Por fim, a rancorosa "Steel and Glass" tem um belíssimo arranjo orquestrado e um desempenho vocal acachapante. O
Beck deve ter ouvido bastante enquanto fazia o dilacerado
Sea Change.
Um rodapé interessante dessa fase do Walrus é o fato de ele ter participado da composição de "Fame", indefectível hit bowieano lançado em 75. Mais uma prova de que a perfeição também se alcança pelas tortuosas vias da pândega.

Outro disco pouco incensado é o
Brainwashed, do
George, lançado em 2002, um ano após sua morte. Com produção finalizada pelo filho
Dhani Harrison e pelo compadre
Jeff Lynne (da
Electric Light Orchestra, banda subestimada que um dia merecerá texto por aqui), é aquele trabalho menor e outonal, mas bonito pra dedéu. Como de costume, George flerta com elementos étnicos e espirituais e toca bastante
ukulele, aquele violãozinho de quatro cordas, mas sempre favorecendo as boas melodias e evitando o pedantismo. Sabendo que tinha pouco tempo de vida, o cara conseguiu criar um momento terno e digno, sem as arestas da pieguice. Confira a faixa-título, um apoteótico
róque de tiozinho dos bons (ver post abaixo) com a assinatura de Mr. Lynne nas harmonias vocais.
Já estou encaminhado nas pequenas pérolas da discografia do
Macca, como a tosquice do bem
Wild Life, mas fica pra uma próxima. E
Ringão, meu chapa, talvez você seja o cara mais cool e boa praça do pop, mas o "rival"
Dennis Wilson te deixou no chinelo na hora da verdade.