quarta-feira, 31 de agosto de 2005

Keep swimming

Essa semana sonhei que começava a fazer natação. Era a minha primeira aula, na verdade, e de cara já fiquei satisfeito por poder usar bermuda ao invés de sunga. A piscina também era diferente, mezzo olímpica (com raias e tudo mais) mezzo daquelas profundas de salto ornamental e que não sei como chamam oficialmente. Mas o que mais me surpreendeu mesmo foi o belo desempenho para quem estava começando no dia. Em vez de segurar na beirada e bater as pernas pra fazer espuma ou de nadar que nem pato segurando aquelas pranchinhas, eu passeava com facilidade de ponta a ponta e sem perder o ar. Nem a barriga de chope retardava. Lembro de nadar rapidamente e ouvir debaixo d'água altos elogios vindos do professor, na superfície. Fiquei tão empolgado com tudo aquilo que chamei amigos e familiares para verem o Maior Espetáculo da Terra. Que Circo Stankovich que nada.
Acordei dando muita risada e mais tarde veio a tão esperada constatação: é verdade, continuo realmente nadando. Bom lembrar disso às vezes. Num espaço delimitado, finito; metade submerso, metade à vista de quem quiser. Sem cobranças. Sem simuladão. Engolindo um tanto de água de vez em quando, mas prosseguindo, prestando atenção em mim mesmo para não bater a cabeça lá na chegada ou entrar na raia ao lado. Não há tempo para afundar ou pairar boiando. E cloro demais nos olhos é preguiça de paraplégico, seja lá o que isso queira dizer.

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

The Kills - No Wow (2005)




Fisicamente, o cara lembra um pouco o Iggy Pop quando o grande maracujá do rock tinha uns 30 anos. A voz e a presença da garota - que felizmente abandonou os EUA e o emo-punk-pop lazarento do Discount - assim como as guitarras sujas e o minimalismo, lembram a PJ Harvey sem tanta sofisticação do Rid Of Me (93) e do último disco, Uh Huh Her (2004). Com essas poucas referências dá pra sacar um pouco do que se trata. Claro que torci o nariz quando ouvi falar de The Kills pela primeira vez. Tá, mais uma duplinha dinâmica criada em laboratório pela Folha de São Paulo. Admito também que a vinda da banda ao Brasil esse mês moveu um pouco mais a minha curiosidade. Mas ao deixar rolar esse que é o segundo disco deles, fui presenteado com uma despretensiosa seqüência de faixas que funcionam tão bem ao azedo acordar como num inferninho abafado (sempre quis usar esse tipo de clichê! He, he). Esqueça o hype, esqueça o White Stripes, temos aqui um belo e seco disquinho de róque.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

O mau exemplo

Ressentimento é um tupperware com arroz há semanas na geladeira e que não temos coragem de jogar fora. É algo tão vil e que ao mesmo tempo nos dá tanta força, que nos sentimos orgulhosos pela falta de pureza. É nobre como exibir um olho roxo e dizer: 'mas você devia ver como ficou a cara do outro sujeito, deve estar numa cama de hospital agora'. Sinto muito, sou ressentido sim, e é exatamente isso que me mantém bem intencionado. É a sensação que vai me fazer querer sair pela rua mais uma vez atrás de outra briga. Não fosse assim, ficaria em clausura, com cinco trancas diferentes, caixas de ovos isolando o som e com o ar condicionado no volume 10. Ressentimento me faz continuar querendo procurar um alvo, mesmo que desvie dos primeiros no começo, mesmo que o ânimo se disperse. Você reaprende a olhar o algoz na cara (ok, isso às vezes requer treinamento). Você volta a acordar de manhã na hora certa. Estranho seria se não sentisse o tal olho roxo latejando. Porque se uma pancada com soco inglês é a ação, a reação é mandar bombons e um enorme smiley. Apanhar é querer plantar o bem. Espera só pra ver. Se a felicidade sempre ofende, bem, que se fodam os ofendidos - tristeza demais cansa. Tá certo, não fui eu quem disse essa última. Mas que tem um belo fundo de verdade, isso tem.

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Same old song and dance

Clichês e mais clichês e mais clichês e mais clichês e mais clichês e mais clichês. Tudo aquilo que você ouve por acreditar ser único, por acreditar que o momento é o que pede, por talvez fazer alguma diferença, tudo será repetido sem dó nem piedade. Não que eu nem você precisemos de dó ou piedade. Mas tudo o que você está ouvindo já foi pronunciado antes: as piadas, os impropérios, os elogios, os conselhos, as críticas, os gemidos da fornicação. Você simplesmente não se deixa abater (ou até deixa durante um tempo), mantém o sorriso desgastado e a expressão quase cínica de surpresa. Assim mesmo, não deixa de ser estarrecedor: as mesmas palavras, exatinhas, na mesma ordem, nenhum pontivírgula a menos. Uma folha no meio de cem fotocópias da mesma página. Sim, nada mais pertinente que uma metáfora clichê.
O milagre da multiplicação merecia um filme do Kubrick. Eu assino embaixo daquela famosa teoria não comprovada, a de que todas as combinações de acordes possíveis já foram criadas. Esse deslumbre todo, essas palpitações, essa indiferença, esse corte no supercílio, essa sensação de aprisionamento, essa cãibra na panturrilha, essas borboletas no estômago, esse 'o petróleo é nosso', essa vontade de comer a pipoca doce que vendem na porta do zoológico, esse inferno astral, essa comida nordestina. Tudo que nos faz sentir vivos (!) e de tudo isso a Madame Bovary, o Jung, o Nietzsche, o Beijoqueiro, a Terri Schiavo, o Paul Westerberg, um mico-leão dourado, a Aracy de Almeida e a Lucy Van Pelt já tiraram suas casquinhas assim como alguém tirou a deles.
De certa forma ainda estou voltando àquele tema do 'instinto'. Sem essa de seres ordinários e extraordinários, Fiódor. Me procura semana que vem. No dia em que isso me descer redondo que nem aquela cerveja, jogo o caderno em cima da mesa e pego o primeiro trem pras Maldivas. E não livre a sua cara disso, você é tão criminoso quanto eu.
Tom pseudo-hostil é a serventia da casa. E quem se conforma ganha mais uma estria para a coleção.

domingo, 14 de agosto de 2005

Coluna do meio

E aos poucos vou desovando a ninhada. Noites e mais noites sem dormir direito acabam perdendo a graça, então você vê que é hora de fazer a faxina e deixar as crianças brincando na casa do vizinho. A rabeira da tabela tá aí, é só você fingir que nada está acontecendo que a segunda divisão te engole como um maremoto. Mas como o campeonato é longo, não existe resultado imediato, tudo se equilibra na regularidade. Se ver como parte de um processo talvez ajude. Se o prazo estiver chegando ao fim, vamos jogar mais duas semanas para frente. Não confundir com protelar. Pragmatismo talvez seja melhor. Organizar o jogo mesmo que não chame a atenção da arquibancada, dar dois toques de lado e um pra frente. No meio da encruzilhada você vai achar tudo isso muito tedioso, modorrento, vai desejar profundamente matar o trabalho para pegar um cinema às 2 da tarde e rir dos carecas engravatados com menos idade que você. O desvio é sempre mais natural que a linha reta e, como repete aquele personagem insistente do Kerouac, não se pode ensinar uma nova melodia ao velho maestro. Talvez seja verdade, repetimos os mesmos vícios, mas as placas de trânsito começam a fazer mais sentido quando fazemos isso com mais qualidade. Parreira às vezes é simpático.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Um Marques de la Colina e uma colher de pau

Ao sair de casa, no começo deste ano, um dos meus projetos (que ainda está em andamento) era aprender a cozinhar. Não digo que já virei um Olivier Anquier ou uma Dona Genoveva (como chamava mesmo aquela famosa velhota pioneira que ensinava receitas na Rede Record?), aliás estou léguas atrás de qualquer piloto de fogão mediano. Mas nesses poucos meses em que comecei a me atrever a ir além do miojão, descobri o pequeno prazer de sentir o cheiro do tempero refogando e o sabor da cerveja gelada deslizando goela abaixo. Claro, o tempo livre tá ajudando. Quando a agenda aperta, nem que seja uma vez por semana ou menos tá valendo. E não depende da presença de convidados de gala ou de folgados de plantão ou de quem você pretende desposar. Vai treinando antes do fatal golpe da águia.

Se eu tivesse um desses programas de TV durante a tarde, daria a seguinte receita:

Coloque as caixas de som na direção da cozinha e separe alguns cds. Comigo já deu certo gente bem diferente, como Afghan Whigs, Social Distortion e Paulinho da Viola. Hendrix e Stones também são uma boa. Imprescindível mesmo é a música estar ALTA. Abra bem a janela ou use o exaustor, ou de preferência os dois. Pegue a peça de carne ou frango e deixe descongelando, troque a água de tempos em tempos, e confira se a peça está desempedrando. Se você foi esperto o bastante para ter tirado do congelador de véspera, párabéns! Você está fora do clube dos finos apreciadores da culinária semi-rasteira. Só então abra a primeira da latinha de [preencha com a sua marca preferida]. Escolha o apoiador de copos mais estiloso. A diversão tá só começando. Como você é sagaz o suficiente, já sabe fazer um arroz, lavar umas folhas e refogar o que vier pela frente. Vamos pular essa parte, ou caso você seja um diletante como eu, peça ajuda ao Louro José. Enquanto algumas coisas não ficam prontas, aproveite para lavar louça e desobstruir o meio de campo. Perceba como essa tarefa se torna menos chata ao se atingir o nível ébrio iniciante. A essa altura do campeonato, você já deve ter esvaziado algumas unidades de alumínio (ainda mais se estiver calor) e vai estar dançandinho acompanhando a música. Estando só ou acompanhado, vai se sentir mais sexy e vai lembrar das letras. Não desista ainda. Invente novos passinhos bizarros. Aquele que estiver junto não vai te intimidar, é de confiança - caso contrário, não arriscaria o estômago com as suas vocações circenses. Continue bebendo, mas nunca entorne de vez. A sua autocrítica e o seu paladar devem estar de pé no final do jogo. Caso contrário, vai achar que cominho é um tempero dos deuses e até detergente pode entrar no pagode. Falando nisso, alguns acessórios merecem estar sempre à mão: vinho branco, noz moscada, pimenta calabresa ou do reino, orégano, azeite, parmesão ralado, manteiga, alho e uma bela duma luva de forno. Mais sugestões eu leio no próximo programa. Abra mais uma latinha, dê uma mijadinha e comece pela salada enquanto o principal dá aquela última dourada. Na hora da verdade, melhor abaixar um pouco o som e trocar a cevada por um suco, pra não influir no gosto e principalmente pra não comprometer os elogios que você vai ouvir. Ignore os superlativos que a sua comida receber, e diga que tava faltando mais 'alguma coisa que eu não sei bem o que é'... e lembre-se: as sobras são mais agradáveis de se comer do que aquelas outras!

Diz aí, melhor que assistir Sonia Abrahão ou TV Fama.

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Mais um dia ideal para os peixes-banana

Existe uma diferença brutal entre caminhar no parque de manhã e pela tarde. Especialmente no calor sujo, a manhã é infestada por aspirantes a maratonistas, crianças histéricas, babás prósperas, casais assépticos sem filhos, sexagenários perseverantes que trotam lembrando de dias melhores e arrastando um dos pés no compasso de seus corações safenados. "Ele corre mais devagar do que eu caminhando, mas deve fazer isso há anos. No mínimo, esse senhor se conhece um bocado".
Após as três horas, apesar de recolhida a folhagem, tudo ganha dimensões mais sombrias. O vento úmido dá socos no peito, me aconselhando a voltar para casa. A fauna se expande a começar pelas carpas pretas semi-apodrecidas, que acenam boas vindas com línguas-de-sogra de dentro do tanque oleoso. Maltrapilhos descalços ajoelhados nos bancos, desempregados lendo a Bíblia e casais inusitados, como um formado por um nordestino atarracado ostentando um respeitável bigode e por uma oriental calva de meia-idade, me observam como se eu quebrasse a harmonia daquele saudável mas não menos triste hospício sem acompanhamento psiquiátrico. Uma loira avermelhada acima do peso alonga suas pernas, levantando seu traseiro desproporcional. Sorri quando me cruza pela segunda e pela terceira vez, com seu maxilar anguloso e ascendência holandesa combinando de forma duvidosa com o aroma convidativo de merda dos cavalos que saltam sobre barras enferrujadas, e desaparece logo em seguida. No fim, sou coroado com uma rinha espontânea de sumô entre galos idênticos, de penas brancas e cristas vermelhas. Os dois se encaram curvados e se atracam ao terceiro sinal da campainha, sendo separados por uma sábia galinha esguia. Como testemunhas, eu e um sósia do Roberto Carlos.
Saio daquele inferno verde e úmido com o estranho desejo de que poderiam pôr em vigor algum tipo de lei que permitisse fechar a cadeado todas aquelas criaturas ali dentro. Mas a dor no joelho que desapareceu me faz mudar de idéia, assim como o suor em minha camiseta, que toma a forma de um rosto sorrindo acanhado.

sábado, 6 de agosto de 2005

Either/Or

Nada como manter um pézinho fincado no lodo. Muitos podem chamar de auto-sabotagem, de defesa instantânea; sim, claro, aqueles mesmos que tripudiam quando você baixa a guarda. Mas poucos conseguem escutar a música por baixo da água quente, sob a crosta de células mortas. Provavelmente porque ela chega à orla com pouca altura e fora do tempo da deixa. O que para a corrente comum parece mero esboço me soa aprazível, como aquela primeira voz ao telefone que encerra dias e mais dias engolindo seco. E os insistentes se arriscam dizendo um 'sim' depois de tantas recusas recebidas. Não satisfeitos, ainda têm o couro arrancado enquanto cantam em voz baixa para você dormir. Esperam a aurora apontar pelas frestas, e só então retornam com cautela para os seus santuários embolorados feitos de caixas de sapato. É quando a situação volta ao ponto de partida que as gentilezas do tormento chegam em casa e querem mais é cair de cara no macio do colchão e do travesseiro, mesmo estando cobertas de lama até os joelhos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Breve cuspida de sangue

Quando o mundo gira ao contrário e em preto e branco, as cortinas se abrem para um brinde ao silêncio. Morrem o cultivo e a compaixão, que pulam como lemingues em direção ao precipício gelado para acelerar o ciclo metafísico. Uma pequena tragédia antecipa as gargalhadas embasbacadas de gralhas que sentam na primeira fileira e fumam seus últimos recursos em charutos fedorentos. Três quartos de hora depois, as sobras são recolhidas para alimentar os satisfeitos com a poeira. Os poros se entopem como filtros de café e o ruído cego das turbinas de aeronaves encobre as pausas da respiração. Mastigar as sobras se torna um sacrifício pontiagudo. As luzes das janelas do prédio em frente se intercalam: são os vizinhos alertando em código morse. Como testemunha está o cenário azul se espreguiçando, com sua gravata cinzenta indefectível penetrando o chantilly e os arranha-céus de cera. Enquanto o vilão do chapéu preto sobe de elevador com notícias e algumas guloseimas importadas, eu abraço o ar quente da queda.